Pesquisar este blog

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A conquista de um gigante chamado Monte Roraima

Integrantes da expedição Miramundos a caminho do Monte Roraima - Foto: Roberto Vámos















BOA VISTA, RR - Ele é um gigante. Fica dentro de um parque considerado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco. Está situado na tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana, em plena Amazônia. De um de seus lados está uma grande savana, e do outro, uma selva virgem. Atrai a atenção de cientistas, pesquisadores e cineastas. Parece um lugar inóspito. E é. Mas apesar de ter 2.734 metros de altitude e de estar tão longe dos grandes centros urbanos, o Monte Roraima também pode estar ao seu alcance. Como? Bem, isso vai depender do seu espírito aventureiro e da sua disposição para entrar em forma. Nas próximas páginas, você saberá como pode conhecer as peculiaridades desta montanha que inspirou o escritor britânico Arthur Conan Doyle em seu livro "O mundo perdido" (1912), os produtores do filme "Up, altas aventuras" (animação da Disney/Pixar de 2009), e que foi recém-explorada pela Expedição Miramundos: Monte Roraima 2011.

Veja aqui os vídeos da websérie da expedição Miramundos.

Disposição física e mental são essenciais no Monte Roraima

O Monte Roraima é um monumento natural de incomparável beleza e que reserva grandes surpresas a quem se arrisca a desbravá-lo. Para aqueles viajantes que são apaixonados pelo contato com a natureza, e não perdem uma boa dose de adrenalina por nada, eis aqui um destino desafiador, que pode ser mais acessível do que se imagina. Por ano, estima-se que cerca de três mil aventureiros passem por ele, principalmente vindos de Europa, Ásia e América do Sul.

Travessia do Rio Tek, ainda na base do Monte Roraima, com o Kukenakan ao fundo / Foto: Roberto Vámos

Apesar de ser o sétimo ponto mais alto do Brasil, a altitude de 2.734 metros estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não é seu maior atrativo. O formato de mesa (denominado tepui), a presença de animais incomuns e plantas exóticas, suas formas improváveis e seus dois milhões de anos de formação fazem do Roraima a grande estrela dos mais de cem tepuis da Venezuela. O monte preserva em seu platô de cerca de 31 quilômetros quadrados uma biodiversidade única, com várias espécies endêmicas como plantas carnívoras e um pequeno sapo preto do tamanho de uma unha. Suas rochas, castigadas pela erosão causada pela chuva e pelo vento ao longo dos milhares de anos, formam silhuetas incríveis que desafiam a lei da gravidade e se confundem com os contornos de animais, pessoas e dinossauros.

O Monte Roraima já inspirou filmes de Hollywood, como o inesquecível "O parque dos dinossauros" (1993), dirigido por Steven Spielberg. Na realidade, o filme tem como referência a obra "O mundo perdido" de Conan Doyle - o criador de Sherlock Holmes - que, por sua vez, foi influenciado pelos relatos do botânico Everard im Thurn, que subiu o Roraima em 1884. Mais recentemente, há dois anos, a animação "Up, altas aventuras", da Disney/Pixar, conta a história de um vovô solitário que cumpre uma promessa feita à mulher e realiza o sonho de viajar para um lugar paradisíaco no meio de uma floresta da América do Sul. Quando os produtores visitaram a região do Monte Roraima, bateram o martelo. Era o lugar ideal para ilustrar as aventuras do protagonista por reunir belezas naturais como o Salto Angel, no lado venezuelano, e seus mistérios.

Barraca no acampamento base, aos pés do Monte Roraima / Foto: Rafael Duarte

A subida do Monte Roraima a pé, por trekking, só é possível pelo lado da Venezuela, por dentro do Parque Nacional Canaima - nomeado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1994. É preciso estar bem preparado fisicamente e estar pronto mentalmente para enfrentar alguns "perrengues" na viagem. Mas tudo é recompensado pelas experiências vividas e pelas paisagens exuberantes. Assim como na trilha inca para Machu Picchu, no Peru, ou no Nepal, quem sobe o Roraima pode contar com a ajuda de carregadores locais - indígenas da aldeia de Paraitepuy - que sustentam suas famílias principalmente com a renda gerada pelo turismo.

Apesar de o monte estar longe dos principais centros urbanos brasileiros e de ser de difícil acesso, há agências e operadoras de ecoturismo no país que trabalham com este destino há alguns anos e que se profissionalizaram, permitindo que os expedicionários vivam esta aventura em segurança e com toda a logística necessária para os duros dias de caminhada e as noites de acampamento, respeitando com consciência as normas ambientais do parque. Essas operadoras também se encarregam de providenciar as autorizações necessárias junto ao Inparques (Instituto Nacional de Parques da Venezuela), que limita o número de visitantes no Roraima.

Diferentemente do que ocorre na subida de uma montanha comum, a chegada ao topo do monte não é o principal objetivo. Pelas características geológicas do Roraima, quando se conquista o topo, a viagem parece começar a tomar um novo rumo, já que o viajante tem a possibilidade de explorar sua área por alguns dias. A paisagem única e misteriosa dá a sensação de se estar em um planeta completamente distinto daquele que conhecemos.

Crianças indígenas da aldeia de Paraitepuy, no lado da Venezuela / Foto: Gabriel Mendes

A hospedagem durante o percurso é feita em barracas de camping montadas em acampamentos que contam com o abrigo de pedras. O banho, invariavelmente com água fria, só é permitido em alguns lugares específicos, para não poluir os pontos de água potável ou causar qualquer outro tipo de dano ambiental. Na subida, a dificuldade maior é o peso das mochilas, caso você prefira dispensar a contratação de um carregador extra. O percurso feito no cume dependerá do número de dias contratados pelo viajante, tendo como mínimo o período de duas noites lá em cima.

Conhecido por seu clima volátil e pelas variações de temperatura, a melhor época para visitar o monte é no início do ano, quando chove menos por lá. Nas noites de céu limpo, o Roraima se transforma em um planetário, permitindo que se enxerguem a olho nu as mais variadas constelações, planetas e até mesmo satélites.

No topo, cristais, formações rochosas e poços naturaisNo topo do Monte Roraima, um extenso platô, a mais de 2.700 metros de altitude, abriga uma rica biodiversidade a ser explorada pelos visitantes / Foto: Rafael Duarte

A subida da aldeia indígena ao topo do Monte Roraima, estimada em 1.700 metros, se faz em três dias. No platô, os atrativos são variados. As caminhadas podem levar às chamadas janelas, de onde é possível apreciar a vista de toda a Gran Sabana ou da Floresta Amazônica que se estende à beira do monte, além de pontos interessantes e exóticos, tais como o Vale dos Cristais, que concentra uma quantidade incrível de exemplares de quartzo; grandes poços naturais apelidados de "jacuzzis", o Fosso, o Vale das Figuras, o Lago Gladys e a Proa - este último o lugar mais inóspito do Monte, localizado no extremo norte, onde só é possível chegar com o uso de cordas e técnicas de escalada e rapel.

A rotina no topo é cansativa durante a expedição. As caminhadas sobre as pedras se tornam difíceis não apenas por seu relevo acidentado, mas principalmente pelo peso das mochilas. O cuidado precisa ser redobrado para evitar torções e acidentes mais sérios. Caso alguém se machuque e não tenha como caminhar de volta, um helicóptero é acionado pelo guia por rádio, mas só conseguirá pousar para o resgate se as condições climáticas permitirem. Além do preparo físico, para quem encara uma expedição como esta, é importante estar bem de saúde, com a imunidade em alta, para evitar ficar doente.

No Vale das Figuras, no topo do Monte Roraima, formações rochosas com a forma de um camelo / Foto: Roberto Vámos

Comparando outros grupos que encontramos pelo caminho, percebemos que não são todas as empresas de viagem que se preocupam devidamente com a questão da preservação ambiental da montanha. Apesar de o Brasil ser o país com o menor território no Monte Roraima, com apenas 5%, contra 10% da Guiana e 85% da Venezuela, as agências brasileiras parecem ter dado um passo à frente neste quesito. As principais praticam o chamado turismo ecológico e defendem a preservação ambiental de toda a região. Oferecem infraestrutura para dar o destino correto para todo o lixo produzido e orientam seus guias e os turistas sobre as regras ambientais da montanha.

Por concentrar as nascentes de vários rios da região, o Monte Roraima é conhecido como a "Mãe das águas." De origem indígena, a palavra Roraima seria uma contração, segundo os locais, de "roro" (verde-azulado) com "imã" (grande), nome dado em homenagem às suas variações de cor quando visto de longe ao longo do dia. O monte é considerado sagrado por diversas etnias indígenas da região, que veneram seu deus, Macunaíma. Diferentemente do que se pensa, o nome do estado brasileiro foi dado em referência ao Roraima, e não o contrário.

No Vale dos Cristais, no topo do Monte Roraima / Foto: Roberto Vámos

Uma das características do monte é seu clima inconstante. Ele está em uma região que possui grandes variações de temperatura, ventos fortes e chuvas repentinas. De acordo com especialistas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet-Brasília), de uma forma geral, o clima de Roraima é típico de regiões equatoriais: quente e úmido. Porém, no Nordeste do estado, onde está localizado o monte, existe o efeito da altitude. Ou seja, a temperatura cai à medida que se sobe - aproximadamente 0,7ºC a menos, a cada cem metros de altitude vencidos. Por isso, o Roraima acaba tendo uma grande amplitude térmica, com a temperatura variando de 25ºC, pela manhã, a menos de 10ºC, nas noites de céu limpo.

Vá preparado para o frio. É importante dormir bem agasalhado. Leve um saco de dormir próprio para 0ºC e meias quentes somente para a noite. Posicione bem a barraca fora de correntes de vento e em terreno plano. Improvise um travesseiro com as roupas ou use um inflável. Abrigue-se com agasalhos corta-vento e capas, que ajudam a proteger dos ventos repentinos e das chuvas. A umidade do Monte Roraima dificulta a secagem das roupas. Leve camisetas dry-fit para as caminhadas e lave-as quando possível.

Novas regras no lado brasileiroNa trilha de subida ao topo do Monte Roraima, a riqueza da flora que abriga a variada fauna / Foto: Roberto Vámos

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do governo federal, negocia atualmente com o Inparques, seu correspondente na Venezuela, e com operadoras de viagens, a criação de normas mais claras para o turismo no Monte Roraima. Magno Souza, empresário do setor em Boa Vista, acredita que um novo regulamento pode profissionalizar mais a exploração turística da região.

- A tendência é que as agências voltadas para a preservação ambiental ganhem força. A preocupação com o patrimônio histórico e natural também afeta a economia, porque os impactos ambientais gerados pelo turismo poderiam levar, a um médio prazo, ao fechamento do parque - alerta Souza, que implementou em sua empresa procedimentos de proteção ambiental após conhecer as experiências de Bonito, no Mato Grosso do Sul, considerado modelo de referência em ecoturismo.

Pequenos seres crescem em espaços inusitados

Na fauna do Monte Roraima, animais endêmicos como sapos ( Oreophrynella quelchii) e pequenos roedores se escondem num ambiente onde os insetos são os animais mais perceptíveis. O mais estranho deles é uma espécie de gafanhoto que vive debaixo d'água. Roberto Vámos, fotógrafo e consultor ambiental da expedição da Miramundos ao Monte Roraima, destaca a riqueza biológica existente na montanha.

Sapo preto: espécie endêmica do Roraima, do tamanho de uma unha / Foto: Rafael Duarte

- No monte, a vida ocupa os espaços mais inusitados: Algumas plantas crescem em cristais e as pedras apresentam uma coloração negra devido ao tipo de musgo existente no local. As árvores parecem bonsais, e há por toda a parte pequenos arranjos naturais de plantas onde bromélias e espécies carnívoras vivem juntas em total harmonia - explica.

Vámos recomenda que os turistas tomem cuidado para não pisar em nenhuma planta, como as pequenas carnívoras Urticularia quelchii. O ideal é se manter sempre na trilha, para não criar caminhos alternativos e usar apenas sabonetes biodegradáveis (indicados pelo Inparques). É importante lembrar que nenhuma planta, animal ou pedra podem ser retirados da montanha, sob severas penas que variam de multa em dinheiro a reclusão por alguns dias na Venezuela, caso a vistoria do Instituto de Parques Nacionais da Venezuela (Inparques) flagre alguma irregularidade ao fim da viagem.

- É importante que o viajante procure uma agência que forneça a estrutura ideal para cuidar dos dejetos produzidos e que o lixo também seja guardado e trazido de volta à base pelas próprias equipes para evitar qualquer tipo de contaminação ou impacto ambiental no monte - diz o consultor ambiental.

Integrantes da expedição Miramundos, a caminho do Monte Roraima / Foto: Rafael Duarte















© 1996 - 2011. Todos os direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A.

Um comentário: